Por Jean Marc Sasson, colunista Ambiente Energia – Em tempos de mudanças climáticas e aquecimento global, a descoberta do Pré-Sal tornou o Brasil detentor de uma das maiores reservas de Petróleo e Gás Natural do mundo. Poderá este fato tornar a matriz energética brasileira, umas das mais limpas do mundo, mais suja? Será que investir em combustíveis fósseis e em energias não renováveis seria uma alternativa correta frente aos problemas ambientais atuais?
Hipocrisia à parte, não podemos negar que hoje a economia capitalista está fundada no petróleo e seus derivados. Segundo dados da Agência Internacional de Energia (AIE), 89% da energia produzida no mundo é oriunda de fontes não renováveis, como o petróleo, o gás natural e o carvão. Os combustíveis fósseis estão tão arraigados na economia atual que seriam necessários investimentos de três trilhões por ano durante quarenta anos para transformá-la em uma economia sustentável, segundo estudo divulgado pela ONU. Seria utópico acreditar que diante de tantos alardes e do iminente colapso do Meio Ambiente, os combustíveis fósseis seriam facilmente abandonados.Desta forma, se não pudermos vencer o inimigo, melhor se juntar a ele. Dentre os combustíveis fósseis, o mais limpo é o Gás Natural. Além de ser utilizado quase in natura, emite menos poluentes que o petróleo e carvão. Sua queima emite baixíssimas quantidades de dióxido de enxofre (SO2) e material particulado – resíduos do processo de combustão – presentes na fumaça. É composto por uma mistura de hidrocarbonetos, com destaque para o metano (CH4), gás de maior influência no efeito estufa, e é encontrado em jazidas ou depósitos subterrâneos, que normalmente estão associados ao petróleo, pois ambas as substâncias têm o mesmo processo de transformação de decomposição da matéria orgânica durante milhares de anos, acumulando-se, assim, no mesmo local. Ainda, de acordo com a lei 9.478/97 (Lei do Petróleo), o gás natural é “a porção do petróleo que existe na fase gasosa ou em solução no óleo, nas condições originais de reservatório, e que permanece no estado gasoso em CNTP (condições normais de temperatura e pressão)”
Não surpreendentemente, o primeiro uso deste combustível ocorreu na China nos séculos XVIII e XIX ao utilizar, de forma ainda rudimentar, os locais de escape de gás natural mineral para construir auto-fornos destinados à cerâmica e metalurgia. Séculos depois, o principal crescimento deste combustível se deu, principalmente, no período pós-guerra até 1960. Nesta época, em razão dos avanços em metalurgia,
técnicas de soldagem e construção de tubos foram instalados milhares de quilômetros de gasodutos. Desde então, o gás natural passou a ser utilizado em grande escala por vários países, dentre os quais podemos destacar os Estados Unidos, Canadá, Japão além da grande maioria dos países europeus, passando a corresponder atualmente, segundo a AIE, à 15,6% da demanda energética global.
Nesta esteira, a União Européia tem a intenção de construir um extenso oleoduto, denominado Nabucco, que em 2017 deverá interligar a Áustria à grandes reservas de gás no Azerbaijão, reduzindo a dependência do bloco em relação à Rússia. O gás natural responde por 23% da geração de energia na União Européia, em comparação com 28% de fontes nucleares e outros 19% oriundos de fontes renováveis de energia, como eólica e solar. Estima-se que se continuar neste ritmo de consumo, segundo a AIE, em 100 anos se esgotaria as fontes mundiais de gás natural.
Mesmo antes da crise no Japão, e da posterior decisão alemã de abandonar a energia nuclear, Bruxelas começou a discutir os investimentos nesta fonte energética. No cerne da discussão estavam o custo, essencial para consumidores e indústria, e as metas ambientais do bloco, tendo em vista a missão de reduzir as emissões de carbono em 80% a 95% até 2050. O custo certamente não seria um entrave. Ronan O’Regan, diretor de energia e eletricidade da consultoria PwC estima que a Alemanha poderá gastar € 3 bilhões para cada mil MW/h de nova capacidade eólica no mar, enquanto uma usina a gás equivalente custaria cerca de € 800 milhões.
No entanto, por certo as metas ambientais impostas não seriam alcançadas. Fora os motivos óbvios de poluição atmosférica, onde se destaca as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), entre os quais o dióxido de nitrogênio (NO2) e o óxido nitroso (N2O), um dos gases contribuintes do aquecimento global e da redução da camada de ozônio, outro grande problema ambiental é a grande dependência de recurso hídrico na produção deste combustível. Há a necessidade de um sistema de resfriamento, cujo fluido refrigerante é normalmente a água. Estima-se que mais de 90% do uso de água de uma central termelétrica podem ser destinados ao sistema de resfriamento, chegando à uma demanda média diária de água de 94 m³.
Haveria, portanto, grande demanda por este recurso e que em função do volume de água captada teria grandes perdas na evaporação e no despejo de efluentes. Não obstante estes indesejados impactos ambientais, a demanda por gás natural está crescendo no Brasil.
Segundo dados da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado houve um consumo médio diário em Maio de 2011 de 47,4 milhões de m³ de gás. Na medida em que cresce a demanda, aumenta a quantidade de novos campos de gás natural descobertos. Nos últimos anos o país vem colecionando descobertas de reservas de gás natural, principalmente as ligadas ao Pré-Sal. Os campos da Bacia de Santos, por exemplo, contêm 20% de gás natural. Segundo estimativas da Petrobrás há um potencial produtivo de cerca de 40 milhões m³/dia, apenas na reserva santista. Há ainda a exploração nas Bacias de São Francisco (Minas Gerais), Solimões (Amazonas) e Parnaíba (Maranhão), indicando um grande potencial produtivo de gás natural. Contudo, no caso destas últimas o potencial produtivo seria de gás não associado, isto é, a produção somente se viabilizará caso haja mercado disposto a pagar um preço capaz de cobrir os custos de produção e transporte do gás natural produzido nestas áreas.
Segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), as reservas provadas hoje no Brasil são de 423.003 milhões m³, enquanto as reservas totais de gás natural são de 824.723 milhões m³. Contudo, isso ainda não é suficiente para suprir a demanda interna. Mesmo após inúmeras descobertas, o Brasil continua dependente do gás importado da Bolívia. Desde 1999 está em operação o gasoduto Brasil-Bolívia com capacidade de transportar 30 milhões m³/ dia, equivalente à demanda da região Sudeste.
A dependência brasileira ao gás boliviano teve seu pior momento em 2006 quando, em razão das crises resultantes da longa disputa entre o Governo Evo Morales e os dirigentes da província de Santa Cruz, a Petrobrás foi obrigada à reduzir o fornecimento para as distribuidoras de gás no Rio de Janeiro e São Paulo. Isso levou a Petrobrás à investir ainda mais na produção nacional e na construção de infra-estrutura de portos para a importação de GNL (Gás Natural Liquefeito).Em fevereiro de 2011, a Petrobras anunciou a construção do Terminal de Regaseificação de Gás Natural Liquefeito da Bahia (TRBA), prevista para operar em março de 2012 no valor de US$ 706 milhões. Esta unidade terá a capacidade para regaseificar 14 milhões m³/dia de gás natural, ampliando a atual capacidade de regaseificação do país para 35 milhões de m³, sem contar o gás importado da Bolívia.
A comercialização de gás natural teve um aumento considerável de 7,23% em relação a 2010. Apesar de o setor automotivo ter tido uma queda de 3,21% em relação a 2010, teve um aumento de em 2,92% em comparação à Abril deste ano em razão da alta do preço do etanol verificada nos últimos meses. O valor do combustível está muito próximo ao da gasolina. Isso fez com que o consumidor voltasse a usar o GNV.
Para se ter uma idéia, no primeiro trimestre de 2011, 6.370 veículos passaram a rodar movidos a gás no estado do Rio de Janeiro, o líder nacional de automóveis movidos à GNV. Conforme dados de abril do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), o Brasil tem 1.680.00 veículos movidos a gás natural, sendo que 750 mil ficam no Rio de Janeiro.
Esse crescimento no Rio de Janeiro se deve principalmente ao incentivo fiscal que o governo estadual concede ao consumidor. Aquele que optar pelo GNV poderá pagar o IPVA com até 75% de desconto. Fora que dos combustíveis disponíveis no mercado é o menos poluente e o mais econômico, com rendimento muito superior ao do álcool e ao da gasolina.
Hoje um kit de conversão de motor para uso de GNV pode ser comprado no valor de R$ 2.179,00. Levando-se em conta que o preço médio nas bombas no início de maio/11 era de R$ 1,698 para o m³ de GNV, de R$ 2,598 para o litro de etanol e de R$ 3,048 o da gasolina, o consumidor que adotar esta modalidade terá um retorno financeiro em até nove meses.
Verificam-se evidências claras que não há hoje, e até a popularização dos carros elétricos, melhor alternativa para combustíveis automotivos do que o gás natural. Contudo para os demais usos de energia, devemos optar, quando possível, pela energia elétrica, principalmente porque nossa matriz energética é limpa e nos oferece diversas fontes limpas e renováveis.
Por ser ambientalista e lutar para preservação do Meio Ambiente, optarei sempre pela opção mais limpa e renovável. Os combustíveis fósseis não se enquadram neste critério. Mas como mencionei, não podemos ser hipócritas e tentar mudar uma economia consolidada num estalar de dedos. O processo é lento e demorado.
Até lá, devemos optar pelas alternativas acessíveis e de preferência por aquelas que sejam menos impactantes. O gás natural não é limpo e tampouco renovável. Mas é hoje, sem dúvidas, o melhor em comparação aos demais combustíveis fósseis.
* Jean Marc Sasson é advogado com especialização em gestão ambiental pela COPPE/UFRJ. O colunista também é editor do blog Verdejando (www.verdejeando.blogspot.com)
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